sexta-feira, 24 de junho de 2022

Lembranças de Festa Junina




      São João tem cheiro de infância,  de festa, de lembranças.

        Era um tempo diferente. As noites frias eram aquecidas pela alegria no olhar,  pelos abraços dos amigos, e no aperto das mãos dos padrinhos e afilhados fazendo o juramento em volta da fogueira.

    As mocinhas de tranças e vestidos coloridos de chita, enfeitados com fitas,  cianinhas e bicos que a mãe costurava à máquina, e os meninos com chapéu de palha e bigode feito com carvão, viravam os verdadeiros artistas prontos para a grande festa popular.

   Na casa de José Simões, maior fogueteiro da cidade, o mês inteiro se fabricava fogos de artifícios, tais como foguetão,  bombinhas, traques , chumbinhos e chuveirinhos, esses últimos que se acendiam como estrelas na noite escura iluminando ainda mais o o olhar das crianças. Toda a família Simões dobrava papel de seda ou almaço, e enrolava a pólvora misturada a areia, que se encarregava de apagar o fogo e não deixar as pequenas mãos se queimarem. E quando era dia dos santos, a noite toda se ouvia nas calçadas estalos, e no ar,  tiros de bombas e apitos trazendo a luz dos fogos em rajadas, riscando o céu. 

   Nas noites de festa, o banquete à mesa era pamonha doce e salgada, feitas com leite e manteiga da terra, canjica que o  na minha casa, o meu pai adoçava com rapadura tornando marrom o doce tipicamente amarelo.Além dos pratos de milho produzidos pelas famílias reunidas, o bolo branco de coco e  o bolo preto faziam às vezes das guloseímas.         

 E quando se pensava em quem fazia os melhores bolos da cidade, logo todo mundo dizia não havia ninguém melhor para temperar o bolo preto que a prima Dedez, filha do fogueteiro Manoel Simões.  Enquanto nós e as filhas de Dedez se arrumavam para a festa, os homens equilibravam os pedaços de madeira de marmeleiro ou cajueiro velho para acender a fogueira às 6 horas da tarde. 

   Na cozinha Dedez apurava o mel, feito com rapadura preta derretida, adicionando cravo, canela, erva-doce, alecrim e outros temperos que era um segredo só dela. Após ferver tudo muito bem, ela juntava a farinha de mandioca e castanhas. E aí só depois de dar o ponto, a massa ia ao forno à lenha, junto com biscoitos de leite, de nata e de coco que ela preparava com alegria a cantar em latim, ou a rezar para os santos  do mês. 

   Perante o cheiro que vinha da cozinha, nós crianças viravamos mosquinhas ou formigas, poi aguardávamos ansiosamente para provar.

   Era costume trazer para os vizinhos um molho de feijão verde, e ganhar duas a três pamonhas, ou no nosso caso, doar uma travessa de canjica e Dedez nos dar bolo preto, bolo branco, e biscoitinhos que se desmanchavam no céu da boca como os fogos no céu.

   Lá fora, a fogueira já acesa, e alguém a cantar,  um violeiro dizendo sua cantoria e seus versos.  

    A meninada chamava o velho Simões, para vender chuveiro ou cobrinha e eu com medo de queimadura corria, junto com as primas numa gritaria só 

  Era  feito de alegria, as noites do mês de Junho, e a gente nem se importava se ardia os olhos na fumaça, e  perfume de banho, ninguém sentia, já que no ar, só se cheirava pólvora, ou na brasa alguma ave, batata, ou espigas de milho a assar, e enquanto esperávamos,  comíamos uma bacia de pipoca que alguém trazia. 

  Em qual fogueira sentar para conversar e assar milho? A rua inteira era um fogaréu, um banquete de fartura.

   Alguém cantava, outros comiam, as moças faziam simpatia,  olhando a água dentro da bacia de alumínio para ver se via o reflexo do futuro marido ou deixava uma aliança amarrada numa linha se mover, para tentar-se adivinhar em quanto tempo se encontraria o ser amado.

  Era colorido o céu,  o quintal de bandeirinhas, as mãos pintadas de papel de seda a embrulhar os sonhos, e na boca a desmanchar os sabores deliciosos do tempero doce da prima Dedez. 

   Festa assim não há mais, mesmo que a festa junina aconteça todo ano, como esta virou eterna e única   pois está guardada na memória e na saudade. 

  Voa feito bandeirinha, feito estrela,  longe de nossos olhos, mesmo quando brilha dentro da gente para sempre a luz deste tempo inventado.


Paula Belmino


Esta é uma homenagem que eu queria já ter escrito para a prima Inês Simões Victor que nos deixou e hoje, véspera de São João veio à tona. Com certeza agora no céu Dedez e meu tio Manoel Simões,  junto a meu avô Nico e seu irmão Júlio fazem muitos fogos para festejar a vida eterna.

Saudade.

3 comentários:

- R y k @ r d o - disse...

Vivam os santos populares.
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Cumprimentos cordiais.
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Pensamentos e Devaneios Poéticos
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" R y k @ r d o " disse...

Independentemente da publicação, passa-se alguma coisa que o/a iniba de escrever?
Está doente? Se for o caso, rápidas melhoras.
Cansaço do blogue?
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Uma semana feliz
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Pensamentos e Devaneios Poéticos
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- R y k @ r d o - disse...

Bonita publicação. Passo também a fim de poder saber notícias suas.
Passa-se alguma coisa que o/a iniba de escrever?
Pausa para férias e descansar?
Está doente? Se for o caso, rápidas melhoras.
Cansaço do blogue?
Falta de inspiração para publicar?
Dê notícias
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Cumprimentos poéticos
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Pensamentos e Devaneios Poéticos
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