segunda-feira, 10 de agosto de 2015

As Palavras que eu nunca te disse...Pai


Meu pai foi-se embora...A velhice chegou, o tempo passou e assim nos deixou. Fora outro tempo eu não saberia descrever a mistura de sentimentos, pela dor da ausência, a raiva pela falta de diálogo trocadas pelas palmadas e pelas surras por qualquer motivo, a indiferença em ver em seus filhos a vontade de um abraço, ou a necessidade de um carinho de pai. Mas junto com o tempo eu amadureci e os maus sentimentos foram amenizando a mágoa, foram sendo compreendidos. O que eu mais sentia era a falta de ter um pai que conversasse, que olhasse nos olhos, que apertasse a mão, que contasse histórias e que me desse atenção.
Desde pequenina ainda na primeira infância busquei este pai na pessoa de meu avô e Deus assim o resolveu levar muito cedo, ficou a saudade, a ferida que não sarou e a busca interminável pelo pai que você nunca foi. Quando saíste de casa, ou melhor eu sai ainda criança fui buscar pelo mundo, nas culturas diferentes da minha a presença tua amável, carinhosa, calma e serena cheia de Deus em meu tio, amor de meu coração. Mas nada preenchia, nada podia te substituir e o destino encarregou-se de me trazer de volta pra perto de você, ai resolvestes nos deixar, a bebida, a ignorância, a incompetência para amar nos deixou sozinhos, muitos filhos sem pai, crescendo sob a proteção de um amor que nunca parou de lutar e trabalhar pra nos criar. Pai eu só queria poder te chamar de amigo, eu só queria dizer fica comigo. Eu só queria ser amada e desejada como filha. Perdoa as vezes que eu não te entendi, ou não corri e te abracei, mas é que seu olhar bravo demais nos dava medo, sua voz grave e rancorosa nos fazia tremer e se afastar e as suas mãos quando nos estendia  um pedaço de pão trazido da rua lembrava o chicote com que batia no teu burro e outras vezes surravam nossas costas.
Tive muito medo pai, medo que virou ódio, medo que virou raiva, medo que se transformou em tristeza, angústia, infelicidade, vazio e inveja de ver outros pais abraçarem seus filhos...Medo que simbolizou tanta coisa mas que na minha mente já madura se transformou em saudade. Na busca incontida por amor não te achei em lugar algum, até que Deus me ensinou: Ama as pessoas como elas são. E pude te olhar de outra maneira. Ao sue modo  você nos amou. Mesmo quando nos batia era para que não saíssemos do caminho certo. Quando nos fazia sair da rua era para nos proteger dos perigos das crianças que vivem dia e noite aprendendo com o mundo e fora de casa perdem o limite e o respeito a seus pai. Quando nos dava bronca era  seu modo de nos ensinar.
Aprendi a te olhar diferente, seu jeito de amar era a esmo, sem abraços, sem diálogo, mas você só poderia dar o que recebeu. Um homem sem conhecimento , e que foi criado de sol a sol no mato a trabalhar não poderia ensinar as letras e a arte, talvez fosse inapto para observar as sensibilidades da poesia ao ver a natureza, e mesmo assim por sua causa eu aprendi a apreciá-la. Sabe Pai quando você nos levava pra roça eu não conseguia aprender a arte da agricultura, é eu não sabia abrir covas e jogar sementes, o sol castigava meu olhar que só queria ver passarinhos e flores, e nas nuvens eu planejava sonhos de amor que se tornariam poesias. Eu não entendia por que nos delimitava comida, não nos trazia a variedade de alimentos das prateleiras do supermercado, ai eu e meus irmãos te enganávamos , nos reuníamos e furtávamos dos silos o feijão bom pra plantar, a primeira safra de teu trabalho e em troca vendíamos na mercearia mais próxima em troca de trocados para compra de pão e suco, balas e bobagens. Hoje entendi que nisso nos ensinastes: Não roubareis meu filho, não trocareis pão por enfado! O que nos dava  mesmo no escasso era suficiente para ensinar a ser justo e viver com honestidade, o que por nós foi de ti furtado, mesmo na nossa inocência de criança nos deu  consciência pesada.
Tudo na vida colabora para o bem quando a  gente consegue olhar com a visão aguçada e eu aprendi meu pai que mesmo na tua arrogância e mal criação só queria nos ensinar a ser fortes e honestos, a ser trabalhadores e nunca ganhar a vida fácil. Tua falta de estudo me ensinou a querer amar os livros, a desejar alcançar grandes palcos.
E assim o medo já não era medo, o ódio passou a ser compreensão. Mesmo que eu nunca tenha te dito pai, eu te perdoei e aprendi a te olhar com piedade.
Te achei na minha profissão, no cuidar das crianças, no fazer de poesia, na criação de minha filha e  pude dar a ela um avô, nas vezes que ela te visitava e te ensinava agora a se vestir, trocar de roupa, estender a mão pra dar benção e amar sem saber das tristes verdades de meu passado. Porém não te disse pai, que fostes presença importante nessa infância... E que ao te ver na rua eu até podia já te olhar nos olhos...Mas era tarde pra correr pro teu colo. O tempo não espera pai e a vida nos nega  oportunidades perdidas. Ainda assim a vida me ensinou que é preciso seguir mesmo sem amor ilustrado.Um amor simbolizado, o respeito e a inocência de saber que pai é por Deus doado e que se deve honrar para que o que plantamos possa dar bons frutos. E eu não te disse pai tudo isso que eu aprendi com teu olhar ao longe.
Eu nem pude te dizer palavras de obrigado  nas vezes que passei ao teu lado e pude mencionar a palavra "pai", mas dentro de mim eu já havia o aceitado. Não te disse te amo, era uma palavra grande demais pra ser concretizada. Não te disse desejo... É que eu sempre sonhei com  um príncipe encantado num cavalo a me buscar para um reino inventado, e era você meu pai que eu esperava com tanto cuidado. Não  te disse muitas coisas, um peito cheio de sentimentos trocados...
Só te disse: a benção? e mesmo sem falar tu sussurraste Deus abençoe e voaste pra eternidade.
E eu aqui te respondo que restou a saudade, a lembrança de meu sonho em seu colo passou, voou a esperança. Não terei mais tempo para organizar sentimentos e palavras, nem mesmo e olhar sentado na calçada e ao te ver dizer ao meu coração: Já passou. Porque já se foi a dor, a necessidade. Deus me ensinou que te amar sem palavras também seria sincero, te amar com piedade também seria verdade, te amar á distancia e sem nenhum traço de amargura seria o sustento pra minha alma cansada. E que a minha busca seria acabada. Nada substitui um pai, pode ser  até que achemos noutros abraços e noutras pessoas o amor paterno, mas é em Deus é que por certo encontraremos a perfeição do amor . Amemos assim a cada um como é. E mesmos em palavras possamos dizer do amor que temos para com os outros.
Das palavras que eu não te disse pai...Eu te amei. E te amo assim como você foi e é dentro de mim e de tudo que eu sou.Igual a você.

Paula Belmino

**Meu pai faleceu nesta sexta-feira dia 7/08/15 

6 comentários:

chica disse...

Puxa,Paula! Fiquei arrepiada, emocionada ao te ler nesse tão profundo e forte relato e texto! Não deu tempo de dizer, mas o fizeste agora e ele onde descansa, te ouve! Fica bem e meus sentimentos! bjs, chica

Ana Paula disse...

Que Deus conforte seu coração. E acredito, assim como a Chica, que as palavras e sentimentos sempre estiveram dentro de você e de alguma forma, onde ele estiver, chegará ao coração de teu pai.
Fiquem em paz. Beijo.

Bolhinhas de Sabão para Maria disse...

Paula, de olhos cheios de água, não tem como não lembrar do meu velho pai... Porque pai é único...aqui, aí..

Você organizou sim seus sentimentos, na dor, na tristeza, no pensar, no tentar entender tudo todo esse tempo desde criança... No amar!

Mesmo inconformada por não ser o que você queria, você amou seu pai. Amou até na falta de compreensão... na busca por uma resposta... Amou porque se preocupou em querer saber tudo...

Esse amor seu pai levou pra ele, e você o transborda aqui com um lindo sentimento que é só seu... Um pedido de perdão, um clamor a perguntar por que foi assim... um amor simples e como você disse, amando-o como ele era... e ele era seu pai!

Como é bom desabafar... isso também é uma forma de amor...
Estou emocionada! Meu respeito mais profundo aos seus sentimentos... Eles são importantes!

Sinta-se abraçada e compreendida minha querida..

Fique com Deus!

Toninho disse...

Poxa minha amiga proximo desta data, fica sempre uma vazio maior.
Mas Deus na sua infinita sabedoria e bondade sabe o que faz.
Paz no seu coração e meus sentimentos à familia.
Um abraço de conforto.
Bju no seu coração.

Anônimo disse...

Me emocionei com as suas palavras profundas de sentimentos. Não pensei que a história fosse terminar no falecimento de seu pai tão recente. No início do post, pensei que ele havia falecido há mais tempo. Sinto muito. Mas, de uma coisa tenho certeza, o amor de Deus supre TODAS as nossas necessidades. Beijo com carinho! Renata e Laura

Edna Lima disse...

Poxa Paula! Só hoje vejo este post.
Me vejo em todas as linhas dos seus sentimentos e frustrações da falta de carinho e ignorância incapacidade de amar.
E só nos resta um monte de porquês.
Este vazio nas nossas vidas jamais será preenchido.
Mas fica a sabedoria e grandeza de saber perdoar.
Deus te abençoe , conforte.Um carinhoso abraço. Beijos. Edna.