segunda-feira, 14 de junho de 2021

A doçura viaja de ônibus







 




     Logo chegaria.
    Sempre no pingo do meio-dia, à  hora  em que o galo outra vez cantava, como se anunciasse  a morte às plantas esmorecidas por  falta d'água. O  mormaço aquecendo tudo, quase não se deixava enxergar a estradinha no fim da rua, e  ao se olhar bem longe, podia  sentir  o chão de tanto calor tremer.  Era aquela hora, da grande espera.
    O feijão macassar fervia no pequeno fogo à lenha feito lá fora no quintal,  e os  pratos à mesa junto aos talheres embaixo do pano de prato, branco e quarado, saído da faxina feita de varas cobriam também  os copos de alumínio.
     Logo a visita chegaria, estava mais perto que tarde.
     A casa estava arrumada.  Na sala, os tamboretes lado a lado e uma poltrona feita  de ferro, coberta por fios plásticos esverdeados era o lugar mais aconchegante reservado à  visitas. A cadeira parecia ser a única coisa verde naquele tempo amarelo árido.  Na sala,  ainda havia  uma rede  estendida, onde o filho único da visita,  estava deitado a se balançar enquanto a mãe  aguardava.
   Meio- dia e pouco,  sua esposa olha outra vez pela meia-porta, costume das pequenas casas do interior do sertão pra fazer as vezes de janela e deixar a gente pequena  subir  os pés  pela tábua de sustentação para espiar lá fora.  As crianças  ansiosas, toda hora observavam pela janela, à espera  das boas novas, assim como  a tia, a avó, o filho  e toda a família  tanto amavam: a grande visita.
     De repente, as crianças que já não aguentavam esperar  penduradas à porta, saiam para a calçada e gritavam:
    _Lá vem o ônibus da Jardinense!!
      No final da rua, um ônibus velho e empoeirado parecia nunca chegar ao destino, pois parava de casa em casa , para que os passageiros descessem. E à  vez que retornava a se movimentar  a gente podia já sentir o cheiro da visita ,o abraço carinhoso,  ouvir a  voz dela a nos perguntar:
 _ Como tá tudo aqui minha  gente? E sua avó? Cadê  meus netos? E sua mãe? Como tá comadre?
    O filho menor na rede dormia, suado pelo calor exaustivo.   O menino do meio e a irmã mais velha estavam já com os primos  na calçada.
     O ônibus enfim chegava e nossa  memória de doçura  reverberava numa voz forte e grave:
_ Oi minha gente! Que calor é  esse, minha filha?_ Dia dona Edite esbaforida, ainda nis degraus do ônibus
   Enfim Dona  Edite chegava. De pele morena, os cabelos curtos, pretos  brilhantes e encaracolados. Usava   óculos de grau, e com um lenço  limpava o suor da testa. Abraçava  os netos e pedia ao cobrador pra abrir o maleiro e tirar sua bagagem.
  O filho que já tinha levantado da rede vinha e dizia:
  _ A bênção mamãe?
  _ Deus te faça feliz meu filho!  Com amor Edite respondia e abençoava.  Dava-lhe beijo e pedia para trazer a bagagem.  Seriam malas?
    As crianças sabiam, o doce, a cor da vida , o perfume , o cuidado estavam ali guardados.
E o bagageiro do velho Jardinense se abria, e saía de dentro  balaios e caixas. Dentro delas mangas grandes e doces, e outras coisinhas  que para as crianças não importavam.
  A avó Edite  trazia sabor e gostosuras, esperança em fartura que fazia as crianças desdenhar o feijão  e o caldo, e preferirem  de almoço, as frutas, para se lambuzarem,  enquanto a avó Dona Edite,  na poltrona verde sentava para conversar, saber e contar as novidades, pois seria por pouco tempo, logo às  três horas da tarde, quando o galo teimoso cantasse saudade , ela se despedia,  ia pra calçada, pois o velho ônibus já retornaria de sua rota e para o sertão   outra vez a levaria.
   As crianças de barriga estourando e bocas lambuzadas das mangas,  davam adeus, e já  contavam os dias para esperar a visita que trazia amor, afago, e mangas doces.  A visita  que passava do meio- dia pra tarde, sentada na cadeira de fios verdes e boas histórias contava.
    Um ônibus  rangendo pela estrada, velho  e empoeirado, chegava e trazia mais que passageiros, trazia o amor, transportava  pequenas lembranças,  a grande felicidade.

Paula Belmino

2 comentários:

- R y k @ r d o - disse...

Confesso e reconheço ser possuidor de muita pouca arte para comentar prosa/romance
Por isso digo apenas que: Gostei muito de ler.
.
Uma 2ª feira feliz
.
Pensamentos e Devaneios Poéticos
.

Renata disse...

Bom de se imaginar e fazer essa viagem com suavidade.

Beijo!

Renata e Laura