terça-feira, 22 de junho de 2021

Dilúculo

 



      Amanhece outra  vez.  Mas o dia traz o céu azul desbotado, e esconde o vigor das manhãs.        
     O sol tímido, parece demorar a aquecer, e  como quem boceja e se espreguiça,  vai deslizando pelo telhado, se esticando fraquinho, sem fazer alardes. De tão fraquinha a luz, o pouco  calor não acorda de vez todos os passarinhos,  e se ouve na manhã desalenta  apenas um piar aqui, outro lá. Talvez, filhotes de pardal famintos  chamando os pais. Dormiram mais? O sol parece não querer brilhar.
    O céu empalidecido  traz a manhã silenciosa,  melancólica.  A moça  abre bem a janela, e o gato que dorme, aos seus pés na cama se refastela, boceja,  lambe os bigodes, aperta os olhos, pisca e depois fecha, reabre-os outra vez quando as suas orelhas detectam um pardal no telhado baixo que ampara por fora a janela, impedindo que a chuva  adentre o quarto.
    O gato, assim como a luz do sol também se estica, desliza as patas, lambe-as espreguiça-se, levanta com cuidado, e com destreza pula à janela e se permite alongar em seu peitoral, ouve desatento o canto do pardal.  A manhã preguiçosa lhe acalma o instinto de buscar passarinho.
    A moça lê um livro, Clarissa de Érico Verissimo,  se transporta no tempo, na história,  para a vida da personagem  principal.  E sente que mesmo outra cena, outra paisagem se assemelha à sua. Uma manhã melancólica,  um sol tímido,  um céu desbotando azul, pincelam poesia.
     Há  silêncio, o pardal já não pia. Não se ouve o vento, a cortina não se move. Na janela o gato é calmaria.
    A moça  tenta escutar algum som, as galinhas do vizinho,  o galo que não cantou,  talvez por isso este sol macio. Não se ouve cacarejar algum, decerto no quintal da vizinha,  delicadamente, as galinhas  ciscam o vazio. Que comem? Não há minhocas , muito menos milho. Talvez se alimentem de um fio de luz tocando os grãos de areia, de  fantasia.
   O gato dormita, o livro fechado. O silêncio grita.
   A manhã se enche de doçura,  de sonho, de preguiça.  
   A moça fecha os olhos, esquece  o mundo e outra vez cochila.


 

Paula Belmino

3 comentários:

- R y k @ r d o - disse...

Conto muito bem estruturado que me fascinou ler. Gatos e pardais nunca foram amigos. Sempre forem caçador e caça. Ler um livro descansa a alma e acalma a mente. Gostei (mesmo) muito de ler. O meu aplauso e elogio
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Abraço poético
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Pensamentos e Devaneios Poéticos
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Unknown disse...

Cada dia que passa mias admiro a forma de como vc conduz o pensamento poético,e como sua poesia cada dia se torna mais viva...

Toninho disse...

Que lindo Paula este conto na leveza e na descrição, que nos coloca na cena de cada elemento belamente inserido. Ouvi o Pardal silenciar, o gatinho dormitar na janela.
Um show amiga.
Carinhoso abraço.
Bom fim de semana amiga.