sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Avó sertaneja


Lá no meio do sertão, entre umbuzeiros e aroeiras a avó acorda bem cedo  com o canto do galo e da cotovia, do carcará arreliando a quentura do dia. A avó diz bom dia à natureza, e segue entre a caatinga espinhenta buscando lenha para acender o fogo e fazer mantimentos.
No meio do sertão, a casa de taipa com chão de terra batida, abriga um grande e um pequeno coração, uma avó e sua neta, e o amor entre elas.
Todos os dias juntas, as duas  fazem descobertas entre as miudezas da cozinha: o  milho no moedor para fazer o pão, a fava escaldada já na panela de barro a cheirar ares de terra, e no alguidar escorrendo, os umbus maduros. Quantas receitas farão, que gosto tem o sertão?
Ao pé do fogão à lenha,a avó mexe suas colheres de pau, suas conchas de casca de coco e fumega a comida, feita pela avó, assim feito o sol que lá fora lampeja, e entre as receitas e afazeres da cozinha, a avó vai ensinando a menina a cantar enquanto lava a louça, a rezar e fazer os rituais e ao mesmo tempo  cuidar da natureza, valer-se de esperança enquanto a chuva não vem pra molhar a terra ressequida e ferida pela seca.
Do quintal da casa da avó se avista o mundo, a lagoa e suas garças, o cruzeiro e quem de longe faz uma prece, jogando um pouco da água na como quem benzesse a própria vida de fé e oração.Da porta da cozinha da avó se avia o tempo, se ouve canções de  passarinhos, grilos, ventos de paz.
Enquanto espera o almoço, a menina brinca com pedrinhas, e borboletas embaixo do pé de laranja, e imagina que elas são brinquedos, além de conversar com patos, galinhas e guinés que viram carro, com linhas amarradas a puxar os pedregulhos.
Perto de casa os bichos da criação são sustento e brinquedo, criação de intenso valor, o melhor  alimento para se celebrar nos dia de festa.
A avó varre com vassoura de mato as poucas folhas, e a menina ao ver as folhas voar se imagina voar com elas ao vento. A areia fina do quintal varrida pela vassoura é como areia de um rio que se secou, e as duas  fazem um montinho de areia, como que uma barreira para o dia que a chuva chegue. Avó e a neta anseiam água, esperam o que ninguém sabe...
Num debulhar de versos, num cantar o dia inteiro acompanhando a chaleira que assobia com elas as canções de ninar, a menina dorme tranquila,um cochilo no meio da tarde. 
No velar o sonho da neta, a avó prepara colchas de retalhos, fuxica pedaços de amor, remenda as roupas rotas.  
A avó na sua fé borda a chuva caindo e enchendo rios, benzendo as plantas, aliviando o calor. É tanta água bordada que a avó  até sente em seus bordados um pouco de frio e sede, e entorna a moringa de água para saciar-se.
A avó borda à mão o amor pela neta querida em fios de cor sob a luz da lamparina, mesmo com a vista acinzentada, cansada como a tarde a definhar no horizonte, a dizer  adeus a mais um dia.
É  hora de guardar no chiqueiro galos, guinés e galinhas, é hora de tecer mais histórias, de contar mais segredos, de brincar de adivinhas.
À hora sexta, a avó  benze com mato e fé toda casa, todo espaço que acompanha sua vista da janela, e  guarda também  a alma da neta querida, saúda a vida e a noite que chega pra trazer estrelas e mistérios, fagulhando como o fogo à lenha sempre aceso, ervas perfumadas, luzinhas de esperança.
Na mão da avó, linha e agulha nunca se cansam.
No olhar da avó, uma reza nunca descansa.
Na voz mansa da avó uma cantiga nunca cessa.
Uma história sempre se conta no cafuné.
E a menina deitada no colo da avó, ver a noite pelas frestas do telhado, e às estrelas faz um pedido:
Que esse tempo de paz e terna solidão não seja nunca esquecido!
E a noite adormece as duas, neta e avó entre os sonhos de um generoso inverno.


Paula Belmino

Na foto minha avó Sebastiana que me inspira essa história , e minhas irmãs menores Taise e no Colo Andreia.


10 comentários:

chica disse...

Doce, lindo e tão bom te ler...Bom como carinho de vó! Adorei! bjs, chica

Rosangela Trajano disse...

Gostei muuito do seu conto! Parabéns pela poesia que coloocou nele! Senti-me amada pelas minhas avós!

Anônimo disse...

Muito linda história de vó! Beijo. Renata e Laura

JOSENI LIMA disse...

Olá,
Fazendo uma visitinha básica!!
Quer saber de onde estou vindo??
BLOG DO PARCEIRO, onde o nome do blog já fala por si.
Parabéns pelas lindas histórias!!

Um abraço!!

Gracita disse...

Carinho de vó é ternura que aconchega e apazígua as dores que assola o coração
Quem disse que no sofrimento não existe poesia. É só ler esta crônica magnífica
Linda a foto Paula
Beijos e uma feliz semana

Jarlene Carvalho disse...

Como sempre sua escrita poética consegue retratar todo sentimento por meio da palavra! Parabéns 👏👏👏👏👏👏

Jarlene Carvalho disse...

Como sempre sua escrita poética consegue retratar todo sentimento por meio da palavra! Parabéns 👏👏👏👏👏👏

Jarlene Carvalho disse...

Como sempre você conseguiu expressar por meio da palavra todo sentimento necessário para expressar o que tem no coração! Poesia!!!!! Parabéns👏👏👏👏

Unknown disse...

Ai que saudades da minha vozinha!

Anônimo disse...

Parabéns pela belíssima história! Amei!