terça-feira, 28 de setembro de 2021

Trilhas




Há caminhos  que nos levam ao encontro da gente com a vida,  momentos simples e tão especiais que ficam guardados para sempre na memória afetiva:

O visitar um parente, o reencontrar  amigos,  o recolher-se do mundo externo para entrar em conexão consigo mesmo, com nossa espiritualidade. Caminhos que nos ensinam a  valorizar a natureza, a paisagem, sentir o vento no rosto,  e a calmaria no coração. 

Há estradas que são  ladeadas de ensinamentos  e verdades, de alegrias, de festa, sorriso  ou silêncio. Mas, cuidado, pois nem  todos os caminhos são de vida e de alegria, é preciso fazer a escolha certa. 

 Saber seguir por elas e escolher o melhor trajeto  e focar no centro da valorização do amor e da amizade e do que nos faz feliz, é  acertar o caminho, pois seguindo para a luz, a gente sempre encontra a  paz , o bom caminho.


Paula Belmino 


sexta-feira, 24 de setembro de 2021

Flores Vivas



Ofereço-te flores

intactas.

Na natureza sob olhares,

Pelas mãos nunca arrancadas.

Dou-te em visão, uma flor,

deslumbramento.

Nas mãos, porém, só

flores, da arte abstrata.

As do jardim, deixai-as viver,

e serem amadas pelas borboletas

joaninhas, abelhas e cigarras.

E por teu olhar cativo,

ansioso de primavera.

Nas mãos ofereço-te apenas

as flores especiais,

Quiçá, um toque no jardim,

O perfume doce de qualquer flor,

para furtar teu sentimento

de conservação e cuidado.

Mas nas mãos não, nunca arrancais

as sempre-viva, gardênias ou girassóis,

deixai-os lírios e jasmins ao sol,

a enfeitar o jardim, com vida.

Nas tuas mãos dou-te sempre a escolha:

Flor ou vida?

A primavera querida!

 

Paula Belmino

terça-feira, 14 de setembro de 2021

Anjo dentro do pote



           —Vai tomar água antes de dormir, senão o anjo da guarda cai dentro do pote. Aconselhava a mãe sempre que a boca da noite caía.
            No sertão da minha infância, a água era mais que o líquido precioso que saciava a sede, era sinônimo de remédio milagroso, e trazia a superstição: Na beira do rio, da lagoa, do açude e até no pote de barro dentro da casa vivia a mãe da água que à noite descansava, dormia sonolenta. E se acaso o filho chamasse os pais pedindo água, o simples fato de oferecer-lhe o copo d’água era motivo do ritual:
         A água estava dormindo, e era necessário acordá-la antes de beber, era preciso pedir licença à mãe d’água para sorver-lhe seus goles e matar a sede da criança .
Minha mãe sempre nos aconselhava a beber água antes de deitar, mas como quem tivesse comido sal, a sede acordava a mim ou as minhas irmãs, e temendo irmos ao pote e dar de cara com o anjo da guarda dentro, nós a chamávamos. Mamãe levantava, ia à cozinha, abria com cuidado o pote, de onde uma rã também dormia e de susto pulava. Com um copo de ágata ou alumínio, minha mãe retirava água e ia derramando noutro copo, num movimento frenético, passando e repassando até que a água também acordasse, deixando-nos ainda mais aguadas de vontade.
        Ao fim do ritual, a água servida fresca, saciava nossa sede, e nos acalmava, pois a mãe levantara bem antes do anjo da guarda, impedindo-o cair dentro do pote.
        A mãe d’água com certeza guardava com ela seres místicos, além de peixes e anfíbios. No sertão, em qualquer pote d’água habitava o supremo, pares de asas, anjos que à noite saciavam a sede quando a criança não bebia água antes de deitar. A mãe d’água guardava um anjo no pote ou uma rã no fundo dele, raspando e cantando vida.

Paula Belmino