segunda-feira, 30 de agosto de 2021

Água de Batismo



          A lembrança mais terna que a menina tinha do padrinho eram dos dias de espera para as festas do padroeiro ou de semana Santa, quando o padrinho que vivia numa cidade grande voltava à cidade Natal para se reunir à família. A menina guardava toda a ansiedade no coração para poder dar a bênção e receber dele com todo carinho um sorriso e a generosa sorte:

 —Deus te abençoe Paulinha e te faça feliz!


         E junto com a bênção vinham balas, presentes, às vezes um dinheiro que Paula jamais havia ganhado e com o que compraria um tecido para um vestido novo, um calçado.
        Paula não lembrava bem a fisionomia do padrinho. Os adultos têm pressa em mudar, mas ela sabia que ele se parecia muito com seu pai, a quem observava nas muitas fotos nos álbuns que a sua mãe Maria Chicó, também sua madrinha sempre lhe mostrava.  Na fotografia a gente permanece sempre como na memória do coração.


       A menina era quase parte da família, vivia na casa, via Maria fazer crochê, ler, ajudava varrer um quintal e ouvia muitas histórias sobre os filhos na cidade grande enquanto conversava com a comadre.
A mãe de Paula era quase parte da família, e ao se casar e ter a primeira filha viva após abortos e filho natimorto e até anjinho, tinha sido dada por afilhada ao chefe da família, o sr. Chicó Felipe.


      O dia do batizado, porém, caiu num sábado de feira, quando a muita gente da zona rural vinha para fazer as compras da semana, e como não pode sair da bodega, o Sr Chicó Felipe enviou o filho Ribamar para ser padrinho por procuração, outorgando-lhe a responsabilidade de elevar a Deus a alma da criança junto à esposa Maria, madrinha de vela e à filha Zefinha, madrinha de apresentação.
Paula sabia esta história de cor e salteado, com ricos detalhes contados pela mãe e pela madrinha Maria, inclusive que ela havia feito xixi no Padrinho, e que ele muito jovem, não se zangou, mas ficou feliz pois se sentiu mesmo padrinho por também ter sido " batizado " pela menina.


     Ribamar trocou a roupa ,e voltou à cerimônia feliz e prestativo com Paula no colo. Dessas memórias se alimentava a menina que aguardava um ano inteiro para reencontrar a madrinha Zefinha e o padrinho Ribamar que quando chegava parecia saído dos sonhos, e se não vinha deixava um vazio no olhar da criança, mesmo quando a casa dos "Felipes" fervilhava de filhos e netos em redor da matriarca.


      Todas as boas histórias da vida da menina têm seus padrinhos nelas, os almoços de semana santa, as noites do mês de Maio e do padroeiro São Francisco, e o Natal. No Natal principalmente, as luzes se acendiam e ela estava sempre nas fotos em frente à árvore e perto da manjedoura, da casa dos padrinhos, por sinal uma das mais belas da cidade.
   Os anos passaram. Paula cresceu, virou mãe, assim como Ribamar, pai e avô, e ainda vive longe do seio familiar, entretanto como se o tempo não tivesse passado, Paula ainda o espera todo ano em visita à sua terra.


     A ciranda do tempo girou, a vida mudou, mas permanece imóvel na sua alma, a alegria dos dias de festa, no dar e receber a bênção. Permanecem parados no tempo o padrinho a sorrir e a menina a lembrar, pela milésima vez, que no dia do batizado, como água de batismo, o molhou. Com amor o escolheu, de forma inusitada para padrinho, o batizou.


Paula Belmino


Feliz aniversário Padrinho José Ribamar  . Vou ser sempre a menina Paulinha a lhe esperar.


domingo, 22 de agosto de 2021

Dia do Folclore


Poema Curupira com arte de Camila Angelis e recitado por Alana Cavalcanti





 Poema Cuca nas aulas remotas da professora Daniele Abreu





                                              Poema Cadê o folclore que estava aqui? 




segunda-feira, 16 de agosto de 2021

Monólogo



Que mal vos faz, o bem que semeias?
Que semente infrutífera atirastes a esmo, que só produz infortúnio?

Pensa toda tua vida,
A mão, a quem a tua estendes.
A quem doas tua alma,
Teu trabalho,
Teu tempo?
E repensas, te voltas, levanta mesmo combalido,
Reconduz teus pés no caminho
Um novo destino.

Há na coxia da noite estrelas distantes,
Teu sonho é mais que semente dormente,
Ou desejo errante.

Haverá um sol a desabrochar a semente
Que no peito amoroso,
Carregas contigo.

E entre outros caminhos
Por veredas e trilhas
Da poeira, novas constelações se formarão em ti.

E quando pensares
_Sou mirrado demais!
Tua pequenina luz acenderá universos .

Paula Belmino

domingo, 8 de agosto de 2021

Carta ao meu Pai





Pai , passei a vida inteira ensaiando palavras tentando  elaborar meus  sentimentos,  sem poder entender o que era ser filha  e pai.  E não era apenas em dia  dos pais, muito menos a condição de doar um presente,  eu queria sentir o afeto, o abraço,  a conversa regada de boas palavras, sem violência.  Uma infância inteira de ausência mesmo na presença,  que eu não podia entender.  Mesmo quando colocavas  na mesa o pão,  a minha alma estava sempre  faminta, sedenta de alimento que a nutrisse, alimentasse o coração. 
Nunca teus olhos demoraram-se nos meus, o medo não me deixava fitá-los. E não  lembro,  eram teus olhos verdes, azulados,  cor de mel a me amar?
 Eu guardo nas lembranças sua pele negra do sol castigante, dia após dia na lida, do roçado às serras, arando a terra , plantando,  aguardando a chuva, e na seca caçando juriti, rolinhas,  pebas, qualquer bicho também  faminto buscando mantimento pra prole, tu trazias no bisaco para encher as panelas vazias de nossa casa, junto à  uma fruta de cardeiro, dos espinhos, o doce nos oferecia.
Eu lembro pai, que se faltava palavras afetuosas, teus  braços fortes enchiam os potes com água,  vinda de léguas distantes em barris sobre o lombo de um burro, enquanto tu andavas a pé,  com os calcanhares rachados, calçando apenas alpagartas de couro já bem usadas. Era tua forma de amar,  derramar suor e sangue para não deixar o básico faltar, água e pão.
Teu silêncio pai, me fez adolescente bradando raiva, ecoando revolta. No entanto, o tempo, melhor professor  ensinou-me a gerir tudo,  me fez poeta. E em cartas ou poemas, eu escrevia as palavras que você não sabia ler, nem podia dizer,  mas sempre em pequenos gestos nos dizia: Cuidar é  amor.
Uma vez outra, tuas mãos calejadas  estendiam um cruzado novo  à uma das tuas filhas,  e a mãe  sábia transformava em um pedaço  de tecido para vestir iguais todas as outras.  Teu amor não era palavra,  era cobrir, era trabalho,   era real. 
Na tua pobreza, nossa casa com poucos móveis remetia ao que era mesmo importante,  e não supérfluo, pois nunca nos faltou o teto.
Eu lembro pai, das madrugadas que saías ao trabalho e voltavas tarde, tão  cansado,  mas lembro também,  das noites de festa do padroeiro,   que deixavas teu enfado e tua rede guardada no torno, para  nos levar ao parque.Uma volta no carrossel, e eu voltava tonta pra casa, mas imensamente feliz. 
Pena pai, que eu só entendi  teu jeito de ser já adulta. Só compreendi o teu jeito de amar quando entendi que o amor não é presente, muito menos uma palavra,  é um sentimento que se constrói na dor. 
Só aprendi teu silêncio,  quando em mim já oculta, a mágoa calou-se,  e minha alma amante fez-se canção para poder explicar que todo teu modo de ser, mesmo errante,  sério e pouco gentil,  também não sabia expressar com ternuras que o amor é esse todo:
Na falta, provê. 
No cuidar faz crescer.
No trabalho educa, na dureza ensina valores.
O amor protege mesmo quando falta o abraço, e fala mesmo sem palavras.  
Pai, só depois  que virei poesia, hoje  entendo você.

Paula Belmino
Para meu pai Manoel Belmino ( In memoriam)