domingo, 9 de maio de 2021

Toda mulher é mãe maravilha




Ainda  criança,  nos tempos da TV  compartilhada com os muitos vizinhos, eu e minhas irmãs  saíamos  de casa para passar o dia  na casa da avó,  e enquanto a mãe  ia trabalhar podíamos  ver  televisão na casa das vizinhas.  She-Ra , mulher maravilha e outras heroínas que amávamos.  

Eu sonhava ter perto de mim   uma heroína como a Mulher Maravilha,  saída  dos quadrinhos ou da TV para me socorrer quando   ia brincar no quintal, eu e as crianças  da redondeza e pensávamos  que uma árvore qualquer fosse um prédio onde a gente pudesse fugir do gato do mato, do lobisomem, da alma penada. As amigas maiores subiam os galhos mais altos,  e me amedrontavam dizendo que por estar no tronco da árvore  o bicho ia me pegar. Era na hora do terror, que a mulher maravilha aparecia:

- Mãe , vem me socorrer?

A mãe mesmo não vinha,  mas chegavam a avó  ou a tia.

E  cada uma cuidava de mim com carinho  dando  banho, fazendo cafuné,  uma  espécie de água  com açúcar  para aliviar  o ardor da pimenta nas mãos e na boca. Artimanha  que as amigas mais velhas pregavam na hora  do cozinhar inventado. 

Mãe é  a presença heroica  sempre ali na infância, uma espécie de salvadora, de fada madrinha, da mão   cuidadosa a alimentar minha infância. Às  vezes na face da avó  servindo  café com manteiga  pra aliviar as dores de garganta, e um pedaço de queijo que estava  guardado  enterrado na farinha, ou o olho de peixe  com o caldo, o feijão machucado. A avó, mãe  duas  vezes  alimentava o corpo ou a alma, as memórias  quando  contava   histórias e catava piolhos. 

A mãe heroína,  mulher maravilha não estava nas telas, estava sempre ao fogão,  ou com o terço  na mão  ensinando  o sinal  da cruz,  o Creio em Deus  pai.

Se a avó  saía de cena, a tia estava ali, a cuidar dos  banhos  mornos, a brincar no quintal,  fazendo balanço,  plantando  coentro e cebolinha e dando  muitas  risadas,  tornando  a infância lúdica e perfumada. 

A figura materna era sempre bem representada, já que saia cedo pra cuidar de outras crianças  na escola,  mãe  educadora  , dois a três  turnos ensinando  o bê-á-bá , as primeiras lembranças  e se tornando eterna na mente  das crianças que logo se alfabetizavam, enquanto eu aguardava  a mãe  maravilha me salvar  no quintal da vizinha das traquinagens das amigas.

À  noite a mãe  voltava, fazia macarrão com molho de  cebola, um ovo estalado, ou em tempos melhores,  nos servia qualhada,  enquanto mexia mingau de chá para matar a fome do filho menor pois  a meia garrafa de leite não era suficiente para as muitas mamadas da noite.

Nas noites de inverno, nossa mãe  nos colocava em roda em cima da cama, cantava, e contava histórias sob o som da chuva  no telhado e das goteiras que caiam nas vasilhas. Mas se  o trovão bravejasse, a gente  fazia silêncio, e o jantar era adiado. 

-Ninguém come quando tá  relampejando. -Dizia  o pai embrulhado  numa rede na sala.

A figura materna virava a mulher  maravilha da vez,  nos  guardando  dos perigos dos raios, com suas orações à  Santa Bárbara. 

Apagavam-se as luzes 

E sob a  luz de velas,  cobria com as cobertas esgarçadas,  todas as três  filhas num colchão de chita ensacado com algodão, assim como aos  meninos, embalando numa rede.

A hora de dormir tinha um ritual com cara de mãe:  Um copo d'água para não sentir sede,  senão o anjo guardador caía dentro do pote, mesmo  quando  a gente sabia que acordaria com sede e lhe chamaria para trazer água, sentindo  muito medo de que na  hora da mãe  ir pegar a água, achasse  o anjo afogado. A mãe  vinha com dois copos na mão  passando  a água de um  para o outro, quase a nos matar de sede. Era preciso antes de nos dar de beber  acordar  a mãe  d'água, pedir-lhe licença, já  que também dormia.  E só  ai   nos saciar.  

 Uma oração final e um boa noite, e os olhos pesavam vendo  a sombra da mãe  na parede, feito mulher maravilha a nos  guardar de todos os fantasmas soltos no quarto. Dormíamos felizes, fosse com a barriga vazia ou cheia, e sonhávamos os sonhos mais lindos onde a mãe  seria fada, rainha, heroína. 

E não entendíamos que todos os dias a avó,  a tia, e a mãe  eram mulheres maravilhas de verdade, pois matavam um leão por dia,  enfrentavam seus fantasmas e  os muitos inimigos da vida.


Paula Belmino

Um comentário:

Renata disse...

Parabéns, Paula, por todos os dias das mães que lutam e vencem ao lado da força que vem de Deus.

Beijo!

Renata e Laura