São João tem cheiro de infância, de festa, de lembranças.
Era um tempo diferente. As noites frias eram aquecidas pela alegria no olhar, pelos abraços dos amigos, e no aperto das mãos dos padrinhos e afilhados fazendo o juramento em volta da fogueira.
As mocinhas de tranças e vestidos coloridos de chita, enfeitados com fitas, cianinhas e bicos que a mãe costurava à máquina, e os meninos com chapéu de palha e bigode feito com carvão, viravam os verdadeiros artistas prontos para a grande festa popular.
Na casa de José Simões, maior fogueteiro da cidade, o mês inteiro se fabricava fogos de artifícios, tais como foguetão, bombinhas, traques , chumbinhos e chuveirinhos, esses últimos que se acendiam como estrelas na noite escura iluminando ainda mais o o olhar das crianças. Toda a família Simões dobrava papel de seda ou almaço, e enrolava a pólvora misturada a areia, que se encarregava de apagar o fogo e não deixar as pequenas mãos se queimarem. E quando era dia dos santos, a noite toda se ouvia nas calçadas estalos, e no ar, tiros de bombas e apitos trazendo a luz dos fogos em rajadas, riscando o céu.
Nas noites de festa, o banquete à mesa era pamonha doce e salgada, feitas com leite e manteiga da terra, canjica que o na minha casa, o meu pai adoçava com rapadura tornando marrom o doce tipicamente amarelo.Além dos pratos de milho produzidos pelas famílias reunidas, o bolo branco de coco e o bolo preto faziam às vezes das guloseímas.
E quando se pensava em quem fazia os melhores bolos da cidade, logo todo mundo dizia não havia ninguém melhor para temperar o bolo preto que a prima Dedez, filha do fogueteiro Manoel Simões. Enquanto nós e as filhas de Dedez se arrumavam para a festa, os homens equilibravam os pedaços de madeira de marmeleiro ou cajueiro velho para acender a fogueira às 6 horas da tarde.
Na cozinha Dedez apurava o mel, feito com rapadura preta derretida, adicionando cravo, canela, erva-doce, alecrim e outros temperos que era um segredo só dela. Após ferver tudo muito bem, ela juntava a farinha de mandioca e castanhas. E aí só depois de dar o ponto, a massa ia ao forno à lenha, junto com biscoitos de leite, de nata e de coco que ela preparava com alegria a cantar em latim, ou a rezar para os santos do mês.
Perante o cheiro que vinha da cozinha, nós crianças viravamos mosquinhas ou formigas, poi aguardávamos ansiosamente para provar.
Era costume trazer para os vizinhos um molho de feijão verde, e ganhar duas a três pamonhas, ou no nosso caso, doar uma travessa de canjica e Dedez nos dar bolo preto, bolo branco, e biscoitinhos que se desmanchavam no céu da boca como os fogos no céu.
Lá fora, a fogueira já acesa, e alguém a cantar, um violeiro dizendo sua cantoria e seus versos.
A meninada chamava o velho Simões, para vender chuveiro ou cobrinha e eu com medo de queimadura corria, junto com as primas numa gritaria só
Era feito de alegria, as noites do mês de Junho, e a gente nem se importava se ardia os olhos na fumaça, e perfume de banho, ninguém sentia, já que no ar, só se cheirava pólvora, ou na brasa alguma ave, batata, ou espigas de milho a assar, e enquanto esperávamos, comíamos uma bacia de pipoca que alguém trazia.
Em qual fogueira sentar para conversar e assar milho? A rua inteira era um fogaréu, um banquete de fartura.
Alguém cantava, outros comiam, as moças faziam simpatia, olhando a água dentro da bacia de alumínio para ver se via o reflexo do futuro marido ou deixava uma aliança amarrada numa linha se mover, para tentar-se adivinhar em quanto tempo se encontraria o ser amado.
Era colorido o céu, o quintal de bandeirinhas, as mãos pintadas de papel de seda a embrulhar os sonhos, e na boca a desmanchar os sabores deliciosos do tempero doce da prima Dedez.
Festa assim não há mais, mesmo que a festa junina aconteça todo ano, como esta virou eterna e única pois está guardada na memória e na saudade.
Voa feito bandeirinha, feito estrela, longe de nossos olhos, mesmo quando brilha dentro da gente para sempre a luz deste tempo inventado.
Paula Belmino
Esta é uma homenagem que eu queria já ter escrito para a prima Inês Simões Victor que nos deixou e hoje, véspera de São João veio à tona. Com certeza agora no céu Dedez e meu tio Manoel Simões, junto a meu avô Nico e seu irmão Júlio fazem muitos fogos para festejar a vida eterna.
Saudade.