quarta-feira, 22 de junho de 2022

Dias de chuva


     Era inverno.

    A casa simples com telhado cheio de goteiras mal protegia em dias de chuva.

   As crianças neste dia não brincavam lá fora, e dentro de casa se abrigavam com pouca roupa, e os casaquinhos cerzidos que os irmãos mais velhos passavam para os novos. Com muito frio,  os irmãos tentavam se aquecer ao pé do fogão à lenha onde  fervia a chaleira com chá ou café  e um pão de milho que o pai acabara de moer no moinho, agradecido pela fartura do roçado.

  A mãe, se desdobrava na tarefa de soprar o fogo com o abanador para aviar o jantar e no debulhar o feijão verde, de onde pulavam rãs em festa, e de onde saltitantes rebolavam as lagartinhas verdes contando a vida. O feijão ia para o para o almoço do dia seguinte. 

  No inverno, era o tempo que menos se ouvia as barrigas reclamarem fome, pois o sertão em riqueza, havia desabrochado os frutos da  lavoura. E se o alimento quente aquecia o corpo mal coberto com as roupinhas curtas, a alma se aquecia ouvindo as histórias da mãe,  ou os causos do pai. No entanto,  se a chuva aumentasse, e trovões anunciassem tempestade ninguém mais comia. O pai dizia que a colher de metal atraía raios, e o único espelho enferrujado porta do camiseiro também era coberto. Decerto sentia frio?! Tal dúvida logo era esclarecida pelo pai que dizia,  o espelho atraía para dentro da casa os relâmpagos. 

   No meio da trovoada ninguém mastigava, ninguém mais falava, ninguém podia também ficar à porta ou à janela. Só se ouvia a chuva lá fora, o farfalhar das folhas das árvores e o cantar dos sapos nas poças.

   Pacientemente, a mãe levava os filhos para cima da única cama, todos em volta dela como pintinhos junto à galinha,  para acalmarem-se ouvindo uma parlenda, uma cantiga, ou uma longa história de Era uma vez. 

  Naquela noite de inverno, as redes onde os meninos dormiam eram abandonadas ao relento,  dobradas solitárias no armador, e a cama da mãe,  fria e molhada de sereno virava um ninho,  aquecida pelos corpinhos  dos filhos, que dormiam todos juntos, abraçados pelo amor.


Paula Belmino 

Fotografia de Alice Aciole 

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